«“ele” foi talvez a expressão mais utilizada pelo Dr. Mário Soares no debate de hoje. E digo “ele” com letra pequena porque para o Dr. Soares “ele” deve ser apenas um indivíduo qualquer de uma terrinha perdida algures no Algarve chamada Boliqueime. Penso que, mesmo que assim fosse, talvez merecesse um pouco mais de respeito, mas enfim...
Por acaso, esse tal de “ele” a que o Dr. Soares se refere com algum desdém, nasceu, de facto, em Boliqueime, mas, apesar das dificuldades de uma vida que se tem que construir de baixo para cima, foi trabalhador-estudante, formou-se, doutorou-se na Universidade de York em Inglaterra (sem ser “honoris causa”), foi ministro das finanças, foi 1.º Ministro durante 10 anos, duas vezes eleito com maioria absoluta e, ainda que candidato derrotado na eleição presidencial de há 10 anos, conseguiu obter aproximadamente 46% dos votos dos portugueses.
Apesar de naturalmente ter deixado muita coisa por fazer num país que não tinha nada quando "ele" chegou; apesar de ter cometido erros (como qualquer ser humano), o balanço final dos seus mandatos foi, sem dúvida, muito positivo e Portugal conheceu um desenvolvimento muito relevante aos mais diversos níveis. Arrisco-me a dizer que “ele” foi o melhor 1.º Ministro dos nossos 31 anos de democracia.
Mas enfim... Para o Dr. Soares “ele” é uma espécie de iletrado que ainda por cima abre a boca para comer bolo-rei. A forma como o Dr. Soares se refere aos vários “eles” de Portugal leva-me a pensar que o ex-presidente da república acha que nós, meros cidadãos portugueses, a maior parte esforçados trabalhadores, honestos cumpridores dos nossos deveres, estamos vários furos abaixo da sua pessoa.
Provavelmente, é o facto de se considerar (ou, pelo menos, parecer) o “ELE” de Portugal que leva o Dr. Soares a querer regressar ao estatuto de 1ª figura da nação. Era desnecessário. Eu, como a generalidade dos portugueses, tinha-lhe e tenho-lhe muito respeito e admiração, pelo que, agradecíamos que não se esforçasse mais em fazer com que alguns de nós percamos essa impressão.
Quanto ao debate, sinteticamente, não há a menor dúvida que "ele" ganhou e "ELE" perdeu.
(Francisco Proença de Carvalho, O Sinédrio, 20-12-2005)
(Francisco Proença de Carvalho, O Sinédrio, 20-12-2005)
4 comentários:
Parece uma redacção do 4.º ano.
As coisas mais importantes dizem-se de uma forma muito simples, não acha?
O cappo da advocacia escreve melhor.
Excelente texto!
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