Terapia política. Introspecção psicossocial. Análise simbólica.

29 janeiro 2007

[423] Portugal aberto: uma janela de oportunidade

"Um cidadão português, que sempre desejou ter uma casa com vista para o Tejo, descobriu finalmente umas águas-furtadas algures numa das colinas de Lisboa que cumpria essa condição. No entanto, uma das assoalhadas não tinha janela.
Falou então com um arquitecto amigo para que ele fizesse o projecto e o entregasse à Câmara de Lisboa, para obter a respectiva autorização para a obra.
O amigo dissuadiu-o logo: que demoraria bastantes meses ou mesmo anos a obter uma resposta e que, no final, ela seria negativa. No entanto, acrescentou, ele resolveria o problema.
Assim, numa sexta-feira ao fim da tarde, uma equipa de pedreiros entrou na referida casa, abriu a janela, colocou os vidros e pintou a fachada. O arquitecto tirou então fotos do exterior, onde se via a nova janela, e endereçou um pedido à CML, solicitando que fosse permitido ao proprietário fechar a dita cuja janela.

Passado alguns meses, a resposta chegou e era avassaladora: invocando um extenso número de artigos dos mais diversos códigos, os serviços da Câmara davam um rotundo NÃO à pretensão do proprietário de fechar a dita cuja janela.
E assim, o dono da casa não só ganhou uma janela nova, como ficou com toda a argumentação jurídica para rebater alguém que, algum dia, se atreva a vir dizer-lhe que tem de fechar a janela!"
(Nicolau Santos, in "Expresso online", s/d: divulgação por email, cortesia do leitor pedro)

28 janeiro 2007

[422] Poesia do mundo: 20 anos a ador(n)ar o classicismo

AS SENTENÇAS
*
PRIMEIRA
O mundo é todos os lugares por onde passaram
a sonhar com a liberdade de Deus na própria casa,
um terreno cercado, tendo por muro o mar
e os montes da Judeia, malha um pouco
mais larga que o arame farpado de Buchenwald.
.
Linha de terra onde o futuro se veste de hábitos
[passados,
rateada ao metro até entrar pelo quintal dos outros
a atear a inimizade tradicional entre as famílias.
.
Foram uma loja de esguelha com a desinência
[de um nome
na porta, tantas vezes repetido: com suspeita
[olhados
sempre a caminho da sinagoga ou da depradação -
esquecidos da voz dos profetas, os filhos de Saúl,
quando balbuciam sav lasav, kav lakav, zeer sham,
.
quando chamam do deserto a casta das almas
a ouvir a buzina em Guibeá, a trombeta em Raná.
.
Elas conjugam com as preces matinais o verbo
[do desastre.
.
Abrem as comportas às águas abundantes e impetuosas
do Eufrates, trazendo o invasor às portas de Bet-Aven,
a esfera onde a fúria se dedica ao seu trabalho pesado.
Vê-lo-ão levar depois na corrente emcombros e entulho
e o mundo todo por que passaram atrás de si.
*
(Paulo Teixeira, "O rapto de Europa", 1994, in Descanso na fuga para o Egipto - antologia, col. O Campo da Palavra, Ed. Caminho, Lisboa: 2006)

[421] Serviço público (3): a manobra de Heimlich (asfixia)

Serviço de utilidade pública - uma manobra que salva vidas: http://www.heimlichinstitute.org/maneuver.html

[420] Citação dos outros: Raínha de Inglaterra, eu?!

(Ramalho Eanes, sobre a deteriorização das relações entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro de então)
*
Anos mais tarde, quando assumiu a Presidência da República, teve oportunidade, sobretudo no segundo mandato, de demonstrar que ser símbolo institucional e ter função protocolar é para os outros...

[419] Carta de uma professora ofendida

No número 1784 do Jornal "Expresso", publicado no passado dia 6 de Janeiro, o colunista Miguel Sousa Tavares desferiu um violentíssimo ataque contra os professores (que não queriam fazer horas de substituição), assim como contra os médicos (que passavam atestados falsos) e contra os juízes (que, na relação laboral, pendiam para os mais fracos e até tinham condenado o Ministério da Educação a pagar horas extraordinárias pelas aulas de substituição).
Em qualquer país civilizado, quem é atacado tem o direito de se defender. De modo que a professora Dalila Cabrita Mateus, sentindo-se atingida, enviou ao Director do "Expresso", uma carta aberta ao jornalista Miguel Sousa Tavares. Contudo, como é timbre dum jornal de referência que aprecia o contraditório, de modo a poder esclarecer devidamente os seus leitores, o "Expresso" não publicou a carta enviada.
Aqui vai, pois, a tal carta cberta, que circula na internet.
*
«Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de ler textos escritos pelo jornalista Miguel Sousa Tavares. Anoto que escreve sobre tudo e mais alguma coisa, mesmo quando depois se verifica que conhece mal os problemas que aborda. É o caso, por exemplo, dos temas relacionados com a educação, com as escolas e com os professores. E pensava eu que o código deontológico dos jornalistas obrigava a realizar um trabalho prévio de pesquisa, a ouvir as partes envolvidas, para depois escrever sobre a temática de forma séria e isenta.
O senhor jornalista e a ministra que defende não devem saber o que é ter uma turma de 28 a 30 alunos, estando atenta aos que conversam com os colegas, aos que estão distraídos, ao que se levanta de repente para esmurrar o colega, aos que não passam os apontamentos escritos no quadro, ao que, de repente, resolve sair da sala de aula. Não sabe o trabalho que dá disciplinar uma turma. E o professor tem várias turmas. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra deva saber) o enorme trabalho burocrático que recai sobre os professores, a acrescer à planificação e preparação das aulas. O senhor jornalista não sabe (embora devesse saber) o que é ensinar obedecendo a programas baseados em doutrinas pedagógicas pimba, que têm como denominador comum o ódio visceral à História ou à Literatura, às Ciências ou à Filosofia, que substituíram conteúdos por competências, que transformaram a escola em lugar de recreio, tudo certificado por um Ministério em que impera a ignorância e a incompetência. O senhor jornalista falta à verdade quando alude ao «flagelo do absentismo dos professores, sem paralelo em nenhum outro sector de actividade, público ou privado». Tal falsidade já foi desmentida com números e por mais de uma vez. Além do que, em nenhuma outra profissão, um simples atraso de 10 minutos significa uma falta imediata. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra tenha obrigação de saber) o que é chegar a uma turma que se não conhece, para substituir uma professora que está a ser operada e ouvir os alunos gritarem contra aquela «filha da puta» que, segundo eles, pouco ou nada veio acrescentar ao trabalho pedagógico que vinha a ser desenvolvido. O senhor jornalista não imagina o que é leccionar turmas em que um aluno tem fome, outro é portador de hepatite, um terceiro chega tarde porque a mãe não o acordou (embora receba o rendimento mínimo nacional para pôr o filho a pé e colocá-lo na escola), um quarto é portador de uma arma branca com que está a ameaçar os colegas. Não imagina (ou não quer imaginar) o que é leccionar quando a miséria cresce nas famílias, pois «em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão». O senhor jornalista não tem sequer a sensibilidade para se por no lugar dos professores e professoras insultados e até agredidos, em resultado de um clima de indisciplina que cresceu com as aulas de substituição, nos moldes em que estão a ser concretizadas. O senhor jornalista não percebe a sensação que se tem em perder tempo, fazendo uma coisa que pedagogicamente não serve para nada, a não ser parafazer crescer a indisciplina, para cansar e dificultar cada vez mais o estudo sério do professor. Quando, no caso da signatária, até podia continuar a ocupar esse tempo com a investigação em áreas e temas que interessam ao país. O senhor jornalista recria um novo conceito de justiça. Não castiga o delinquente, mas faz o justo pagar pelo pecador, neste caso o geral dos professores penalizados pela falta dum colega. Aliás, o senhor jornalista insulta os professores, todos os professores, uma casta corporativa com privilégios que ninguém conhece e que não quer trabalhar, fazendo as tais aulas de substituição. O senhor jornalista insulta, ainda, todos os médicos acusando-os de passar atestados, em regra falsos. E tal como o Ministério, num estranho regresso ao passado, o senhor jornalista passa por cima da lei, neste caso o antigo Estatuto da Carreira Docente, que mandava pagar as aulas de substituição.
Aparentemente, o propósito do jornalista Miguel Sousa Tavares não era discutir com seriedade. Era sim (do alto da sua arrogância e prosápia) provocar os professores, os médicos e até os juízes, três castas corporativas. Tudo com o propósito de levar a água ao moinho da política neoliberal do governo, neste caso do Ministério da Educação.»
(Dalila Cabrita Mateus, professora, doutora em História Moderna e Contemporânea)

20 janeiro 2007

[418] Pintura do mundo: a água na nossa alma


J. Turner,
"Landscape with a River and a Bay in the Distance" (1840-50),
Museu do Louvre, Paris

[417] Poesia inflamada de dor e alegria

«Aqueles de um país costeiro, há séculos,
contêm no tórax a grandeza
sonora das marés vivas.
Em simples forma de barco,
as palmas das mãos. Os cabelos são banais
como algas finas. O mar
está em suas vidas de tal modo
que os embebe dos vapores do sal.
Não é fácil amá-los

de um amor igual à
benignidade do mar.»
(Fiama Hasse Pais Brandão, 1938-2007, As Fábulas, Edições Quasi, 2002)

[416] Grito da alma

"Obrigado, mãe, por me teres deixado nascer!"
*
(cortesia do leitor gcobarros)

15 janeiro 2007

[415] O Grande Tuga

1. Finalmente, os resultados: D. Afonso Henriques, Álvaro Cunhal, António O. Salazar, Aristides Sousa Mendes, Fernando Pessoa, Infante D. Henrique, D. João II, Luís de Camões, Marquês de Pombal e Vasco da Gama.
2. Poucas surpresas, excepto, talvez, Cunhal e Sousa Mendes.
3. Nenhuma mulher, ao contrário da Alemanha e dos EUA (uma) e da França e da Grã-Bretanha (duas). Nem Amália, o que talvez seja o mais surpreendente!
4. Quase ninguém das artes e das ciências, tirando os dois poetas maiores (a França elegeu seis!). Curiosamente (para um país latino), também nenhum desportista...
5. Em dez eleitos, apenas quatro viveram no século XX, o que não contradiz a tendência "saudosista" das outras eleições nacionais.
6. Só os EUA incluiu, como nós, o fundador da nacionalidade.
7. As minhas escolhas, necessariamente pessoais e discutíveis, dos três maiores (de entre os listados), por ordem alfabética: Aristides Sousa Mendes (humanismo), Infante D. Henrique (engenho) e Luís de Camões (arte).

[414] Late evening: a preferência de Molière

"Sur quelque préférence une estime se fonde,
Et c'est n'estimer rien qu'estimer tout le monde."
*
["É numa preferência que a estima fica assente,
E não estima ninguém quem estima toda a gente."]
*

Molière, Le Misanthrope (1667), I acto, I cena (55).

13 janeiro 2007

[413] A pergunta do dia

Primeiro foi a globalização pelos mares (Portugal, séc. XV). Depois, a globalização pela técnica (Reino Unido, séx. XVIII) e tecnologia (EUA, Japão, Europa: séc. XX). Segue-se a globalização pela democracia virtual, electrónica e digital (Índia, Brasil: séc. XXI)?

[412] As palavras dos outros (8): fugir não resolve

"Não ignoramos que, muitas vezes, a decisão de abortar é fruto de grandes sofrimentos e angústias (sem excluir as pressões), que é um verdadeiro drama para muitas mulheres. Mas pensamos que a um drama não se responde com outro drama: o de destruir uma vida humana que desabrocha e que é o elo mais fraco em todo este processo. (...)
"A resposta verdadeiramente humana e humanista a este drama é um projecto solidário e galvanizador de todos os recursos da sociedade civil e do Estado, para oferecer todo o cuidado, acolhimento e protecção de ordem social, económica e psicológica tanto ao filho em gestação como à mãe que o gera. (...)
"A liberalização do aborto, sob a forma encapotada de despenalização, não é a resposta digna e condigna. É uma fuga em frente, para não atacar o problema nas suas raízes. Não é caminho de progresso e de futuro."
(D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, in Público online, 13-1-2007: destaques nossos)

06 janeiro 2007

[409] Early evening: nem todas as respostas estão nos livros

"este livro. passa um dedo pela página, sente o papel
como se sentisses a pele do meu corpo, o meu rosto.
este livro tem palavras. esquece as palavras por
momentos. o que temos para dizer não pode ser dito.
sente o peso deste livro. o peso da minha mão sobre
a tua. damos as mãos quando seguras este livro.
não me perguntes quem sou. não me perguntes nada.
eu não sei responder a todas as perguntas do mundo.
pousa os lábios sobre a página. pousa os lábios sobre
o papel. devagar, muito devagar. vamos beijar-nos."
(José Luís Peixoto, "Este Livro")

[408] Cirurgia política

Armando Vara - brindado com a CGD, em Lisboa.
D. Freitas do Amaral - recolhido num hospital ortopédico, em Lisboa.
E. Ferro Rodrigues - resguardado na OCDE, em Paris.
G. Oliveira Martins - agraciado com o TC, em Lisboa.
João Cravinho - remetido para o BERD, em Londres.
João Soares - enfiado na CM, em Sintra.
Manuel Alegre - entretido com o movimento cívico, em Portugal.
Manuel Maria Carrilho - silenciado na CM, em Lisboa.
Mário Soares - engripado em Belém, Lisboa.
Paulo Pedroso - perdido na blogosfera.

[407] Deputada, mas pouco...

"Jerónimo, não seja ingénuo nem nos faça de ingénuos.
Não se trata de manter a palavra dada numa declaração assinada. Trata-se de aferir a legalidade e a legitimidade de tal declaração, que pode muito bem ser inválida.
Os deputados, embora em listas partidárias (ou, nalgumas eleições, em listas independentes), são eleitos pessoalmente. É o candidato A que é eleito, atendendo ao número de votos da sua lista. Por isso mesmo, não é indiferente estar em primeiro ou em último lugar da lista. Foi Luísa Mesquita, concretamente, que foi eleita por Santarém e a boa fé na relação entre eleitos e eleitores exige que, salvo ocorrência extraordinária (como o falecimento ou a incompatibilidade de exercício), se mantenha no cargo durante toda a legislatura, que foi para isso que foi eleita, ela e os restantes 229 deputados.
Se fosse indiferente ser o candidato A, B ou C, os partidos nomeavam os seus representantes parlamentares. Ora, isto não é uma nomeação, é uma eleição!"
(Núncio, comentário deixado aqui: "Jerónimo de Sousa teme acordo entre PS e PSD para mudar leis eleitorais", Público On Line, 6-1-2007)

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