Terapia política. Introspecção psicossocial. Análise simbólica.

27 fevereiro 2010

[1112] Prémio Pinto Monteiro: os guardiões sem ciência nem prudência

«Sócrates – Há, porventura, na cidade que acabamos de fundar, uma ciência que reside em certos cidadãos, pela qual essa cidade delibera não sobre uma das partes que a compõem, mas sobre o seu próprio conjunto, para conhecer a melhor maneira de se comportar em relação a si mesma e às outras cidades?
Glauco – Sem dúvida que há.
Sócrates – Qual é a ciência? E em que cidadãos se encontra?
Glauco – É a que tem por objeto a conservação do Estado e encontra-se nos magistrados a que há pouco chamávamos de guardiões perfeitos.
Sócrates – E, em virtude dessa ciência, como consideras a cidade?
Glauco – Considero-a prudente nas suas deliberações e verdadeiramente sábia.
Sócrates – Mas quais são os que, na tua opinião, se encontram em maior número na cidade: os ferreiros ou os verdadeiros guardiões?
Glauco – Os ferreiros.
Sócrates – Logo, de todos os organismo que tiram o nome da profissão que exercem, o dos magistrados será o menos numeroso?
Glauco – Sim.
Sócrates – Por isso, é na classe menos numerosa e na ciência que nela reside, é naqueles que estão à cabeça e governam que toda a cidade, fundada segundo a natureza, deve ser sábia; e os homens desta raça são naturalmente muito raros e a eles compete participar na ciência que, única entre as ciências, merece o nome de sabedoria.»
(Platão, "A República", Livro IV, trad. de Enrico Corvisieri. São Paulo: Best Seller, 2002. p. 144)

[1111] Serviço público (32): amar os filhos, respeitar os cidadãos

25 fevereiro 2010

[1110] As palavras dos outros (71): o poder invertido

«Seria absolutamente estranho que num país onde toda a gente mente - responsáveis, que não se retratam - passasse a ser quem diz e alerta para as verdades que tivesse de se retratar. Penso que estamos completamente com os valores e o sentido das necessidades do país absolutamente invertidos.»
*
«O que é relevante neste caso não é o que as pessoas sabem, é aquilo que as pessoas, sabendo, dizem que não sabem.»

24 fevereiro 2010

[1109] As palavras dos outros (70): sempre que alguém usa o meu nome, fá-lo abusivamente

«(...) o director do Expresso revelou ter recebido um telefonema do primeiro-ministro com o intuito de impedir o jornal de publicar uma notícia sobre a licenciatura de José Sócrates, concluindo: "Se isto não é pressão ilegítima então não há pressões ilegítimas".»
("Fui pressionado pelo primeiro-ministro", diz director do Expresso, Expresso on line, 24-2-2010)

21 fevereiro 2010

[1108] Retrato da decadência

Magistrados a fazerem política, políticos a fazerem jornalismo, jornalistas a fazerem justiça. Cidadãos a não fazerem nada.

16 fevereiro 2010

[1107] As palavras dos outros (69): uma vida própria

"Uma nova geração de políticos já não entendia que governar era apenas governar, cumprir o seu papel institucional, fazer escolhas que também podiam ser criticadas, exercer o seu poder no quadro dos vários poderes — era muito mais. Era ser ungido. Essa geração entende que governar é mais do que isso: interpretam uma missão. São «modernos» num país atrasado; «cosmopolitas» num país que vai aos saldos da Zara; visitaram as cortes europeias e ficaram impressionados.
O que isto significa? Sinceramente, falta de mundo. Mário Soares resistia a todas as críticas (mesmo que se diga que nunca as esquece), porque lhe sobrava mundo; tinha uma vida própria — e biblioteca, e apetites, e vícios amáveis, e amigos — que ultrapassava a vida pública. Cavaco compensava a falta de mundo com a disciplina pessoal e familiar. Mas os políticos para quem toda a vida pessoal foi ocupada em transformar a vida própria em vida pública não têm largueza de sensibilidade, nem escape, nem compensações.
Esses políticos não sabem, simplesmente, que o lugar na História não é decidido agora. Não aprenderam, também, que o poder tem um preço — e que esse preço não é apenas pessoal (porque se sacrifica muito desse espaço pessoal, privado, inviolável); é também público. Exige grandeza para suportar críticas e injustiças. Até injustiças. O poder tem os seus meios institucionais de comunicar, defender, explicar; a imprensa é, justamente, o outro lado. Não se pode estar nos dois lados ao mesmo tempo. E isto é tão válido para um governante como para um jornalista. O poder oferece um mundo de possibilidades, a começar pela direção editorial do Diário da República; se essas não chegam, aí já é um problema mais grave. Há terapias para isso."
(Francisco José Viegas, "Liberdade e etc.", A Origem das Espécies, 14-2-2010: destaques nossos)

14 fevereiro 2010

[1106] O estado da arte popular

«Só acredita no contrário quem acredita mais em 2 ou 3 magistrados desconhecidos, ocultos, não eleitos, não escrutináveis, não responsáveis políticos face ao povo e à governação, de quem se desconhece vínculos partidários (…)», Adolfo Contreiras.
*
1. Os magistrados não são modelos nem artistas para serem conhecidos do “grande público”.
2. O facto de não serem “mediáticos” não faz dele ocultos. Oculto são todos os pedreiros que se infiltraram na Justiça, na Política, na Economia, no Desporto, para servirem a sua “causa”, em vez de servirem o interesse público. Ocultos são os poderes que nos governam.
3. Obviamente que os magistrados titulares de processos não são eleitos nem escolhidos. Nunca ouviu falar do juiz natural, que é uma das maiores garantias do Estado de Direito?
4. Todo o trabalho de um juiz é escrutinável pelos órgãos disciplinares e de avaliação da Magistratura, órgão de soberania deste Estado. A não ser que defenda que seja o primeiro-ministro a escrutinar e avaliar o trabalho dos juízes. Mas o Governo não é o único órgão de soberania desta democracia, por muito que custe a alguns adeptos do regime venezuelano.
5. Os juízes não fazem política, por isso não têm responsabilidade perante os políticos nem têm (não devem ter) quaisquer vínculos partidários e, ainda que alguns o tenham, isso é completamente irrelevante, a não ser que tal vinculo os impeça de exercer com independência e autonomia a sua função.
N.B. Raramente li tanto disparate em tão poucas linhas. Mas foi pedagógico. Assim percebo melhor o nível dos apoiantes deste status quo.

[1105] O pomar secou?

«Bruno Alves diz que as "arbitragens não têm favorecido nada". Eu diria: este ano talvez não, mas um dos objectivos apregoados pelos tutores da iniciativa 'pela verdade desportiva' é vencer sem favorecimentos, suponho.
Afinal de contas, em 30 anos, algum dia os árbitros teriam de se equivocar e prejudicar o FC Porto (quanto mais não fosse para quebrar a rotina).»
(David Marques, "Entraram com tudo... menos com a bola", Record, 14-2-2010: destaques nossos)

13 fevereiro 2010

[1104] O derby político

Tenho pena que a ética, a integridade e o patriotismo sejam postos no meio de um campo de futebol, como se o regime se salvasse com um Benfica-Sporting.
Nós e eles, a verdade e a mentira, a liberdade e a censura, a Esquerda e a Direita, o Governo e a Oposição, o passado e o futuro... ena, tanto maniqueísta por aqui!

[1103] O regime de um homem só?

Goste-se muito, pouco ou nada do Primeiro-Ministro, do titular do cargo (que da pessoa é irrelevante gostar ou desgostar), nada pode ser pior para um regime democrático - feito de cargos, de instituições, de leis, de poderes, de equilíbrios, de limites, de direitos e deveres, de alternância e cooperação - do que o culto da personalidade.
É sempre este vício, ensina-nos a história para quem a saiba ler e interpretar, que convoca populismos e demagogias que degeneram regimes.
(Núncio, comentário a "Floribella ou Mike Tyson?", Aspirina B, 13-2-2010)

[1102] Nem sempre as meninas nos convencem...

Tem razão Vasco Lobo Xavier. Não têm razão os leitores, nem Filipe Nunes Vicente nem as deputadas em causa [Ana Gomes e Elisa Ferreira].
Rangel candidatou-se APENAS a um cargo, que está a desempenhar regularmente e que até poderia - a lei ou a ética não o impediriam - continuar a desempenhar, mesmo eleito presidente do PSD. Nas circunstâncias em que se candidatou, fez bem - era o mínimo - ao assegurar que pretendia cumprir o mandato, agora afectado por esta alteração de circunstâncias (em Junho de 2009, Rangel NÃO poderia saber que, em Março de 2010, iria haver eleições para a presidência do seu partido; aliás, deveria estar crente de que MFL seria presidente social-democrata e primeira-ministra durante alguns anos).
(Núncio, comentário a "Insónias", Mar Salgado, 13-2-2010)
*
Não sei assobiar[*]. Defeito meu, e não é o único. Outro é não gostar de comparar actuações diferentes, com pressupostos diversos, por agentes distintos.
As senhoras em causa candidataram-se, com dois meses de diferença, a DOIS cargos que pretendiam - só o desmentiram após toda a pressão subsequente - exercer em ACUMULAÇÃO. Dois cargos públicos, REMUNERADOS, preenchidos por sufrágio directo UNIVERSAL. Tal desconforto foi tão evidente que o secretário-geral do partido delas decretou que seria excepcional a sua situação.
O cavalheiro em causa candidatou-se APENAS a um desses cargos e tem-no vindo a exercer. Agora, sete meses depois, e porque o partido a que pertence vai submeter-se a eleições INTERNAS, decidiu candidatar-se a seu presidente (cargo que não sei se é remunerado, mas não será certamente pelo orçamento do Estado).
Aliás, a censura a Rangel é, no mínimo, caricata. No limite, quase todos os presidentes ou secretários-gerais dos partidos portugueses teriam, seguindo esse critério absurdo, de abandonar as suas funções públicas e passariam a ser escolhidos os desocupados...
Não conheço nenhum dos três envolvidos, não sou militante dos respectivos partidos e até tenho alguma admiração pela (intermitente) coragem de A. Gomes e P. Rangel.
Mas não comparo situações diferentes nem tomo tudo por igual.
(Núncio, idem. *Adenda feita em resultado da acusação de que estou assobiar para o lado)

[1101] As palavras dos outros (68): este jardim também tem flores viçosas

«A culpa não é só dos políticos, é de um povo que deixou este país chegar ao estado em que está, de um povo que não tem valores, de um povo que acha piada a todas estas golpadas que vão por aí. Cada povo tem aquilo que merece.
Vamo-nos deixar de hipocrisias. Este país precisa de disciplina democrática. Continuar a consentir na asneira e depois dizer que a culpa é dos políticos, isso é bem português.»
(Alberto João Jardim, citado aqui: destaque nosso)

[1100] A Pacheco o que é de Pacheco

É justo, e oportuno, lembrar que, primeiro de todos e muito antes do tempo, José Pacheco Pereira descreveu, analisou, advertiu, interpretou, esmiuçou. Foi ignorado, quando não ridicularizado. A resposta está aí. Para quem souber ver, ouvir e ler.

[1099] Um interlúdio ecológico

Nem sempre as épocas correm de acordo com as expectativas ou os investimentos. Porque uma equipa não é um mero conjunto de corpos físicos. Há também as condições de treino, a capacidade dos treinadores, o equilíbrio psicológico, a estratégia comunicacional, as tácticas de jogo, as alianças institucionais, as posições públicas, as decisões administrativas e financeiras, etc.
Tal como o Benfica há uns anos, creio que também o Sporting tem cometido erros nalguns desses critérios, como a estratégia comunicacional (o treinador nunca pode ser o relações públicas ou o porta-voz do clube como era Paulo Bento) e as alianças institucionais (não lembra a ninguém que um clube de Lisboa, de gente de bem, se alie, formal ou informalmente, expressa ou tacitamente, a um clube do Porto, de gente que me permito nem qualificar).
(Núncio, comentário a "Mas que jogo tão pobre!", Visão de Mercado, 12-2-2010)

11 fevereiro 2010

[1096] A nódoa mudou de casaco e está cada vez maior

«Esse caso [pressão ilegítima junto de uma estação privada de televisão que conduziu à eliminação de uma voz incómoda para o Governo] é um caso que não é resolvido pelo silêncio. Quero dizer-lhe com clareza: este episódio é um episódio indigno de um Governo democrático e é um episódio inaceitável. Isto é uma nódoa que o vai perseguir e é uma nódoa que não vai ser apagada facilmente porque é uma nódoa que fez Portugal regressar aos tempos em que havia condicionamento da liberdade de expressão. E peço-lhe, Senhor Primeiro-Ministro: resista à tentação do controle da comunicação social. Não vá por aí porque nós cá estaremos para evitar essas tentações.»
(José Sócrates, secretário-geral do PS, dirigindo-se no Parlamento ao Primeiro-Ministro, Santana Lopes, 14-10-2004: destaques nossos. Vídeo aqui)

07 fevereiro 2010

[1094] A senhora que poucos quiseram ouvir

«(...) essa senhora frágil que todos atacam e que disse sempre as coisas certas para Portugal, sem qualquer vantagem pessoal e política, pagando um preço elevado por o ter feito num país de irresponsabilidade optimista, outro nome para o desperdício (...)»
(Pacheco Pereira, "A queda da casa de Sócrates", Abrupto, 7-2-2010)

[1093] Por obséquio, queira V. Ex.ª dizer o que deseja

Andam por aí uns adeptos do status quo a lançar a confusão, não sei se por ignorância ou para desinformação.
1. É verdade que o PR está constitucionalmente impedido de dissolver a AR, por razões diferentes, até finais de Abril e após inícios de Setembro do corrente ano.
2. Não é verdade que o PR esteja, nesses ou noutros períodos, constitucionalmente impedido de demitir o Governo.
3. AR e Governo são órgãos de soberania distintos, com legitimidades e dependências políticas diversas.
Dito isto, o PR pode demitir o Governo hoje, amanhã ou daqui a um mês. Não pode é nomear outro fora do quadro parlamentar, enquanto estiverem a decorrer aqueles prazos.
Resta saber se, podendo, Cavaco Silva quer.
Evidente, meu caro leitor!
*
Adenda: Henrique Raposo, às 17h50, escreve também isto: «Nós não votamos em candidatos a "primeiro-ministro". Nós votamos em deputados»

06 fevereiro 2010

[1092] O abismo cavado pelos outros

«(...) todos sabemos que a situação não é famosa. Não é a que os bloggers da direita queriam que fosse, mas está longe do paraíso. Basta ouvir gente séria, não comprometida com o efeito media (estou a pensar em Silva Lopes e Daniel Bessa, por exemplo, omitindo os amigos por razões óbvias), para perceber que corremos a passos largos para o turning point
(Eduardo Pitta, "Jogar à macaca", Da Literatura, 6-2-2010)
*
Nem uma palavra sobre as razões por que a "situação não é famosa". Quem lesse alguns textos de Eduardo Pitta, até ficaria convicto de que nada do que está a acontecer por estes dias é resultado dos últimos cinco ou dez anos, de Pina Moura a Mário Lino, de José Sócrates I a José Sócrates II. Incluindo o interregno de 2002/05, que não passou de um fait divers.
As lutas intestinas dentro da maçonaria, a decadência do Opus Dei, a submissão da Igreja Católica, o crescente poder político "alternativo" (Elza Pais, Miguel Vale de Almeida, Ricardo Rodrigues, etc.): dicas que aqui deixo, de barato.
P.S. E Cavaco Silva só tem crédito quando desilude os seus apoiantes (esquecendo que o Presidente da República, assim que é nomeado, deixa de ter apoiantes) ou elogia Teixeira dos Santos. Que nada tem a ver com isto, pois só é ministro desde Junho de 2005...

[1091] A coragem em fim de ciclo

«Acabo de ouvir Mário Bettencourt Resendes dizer na TSF que tem saudades daquele PS que lutava pela liberdade de imprensa em Portugal.»
(Medeiros Ferreira, "Bem vindo, Mário Bettencourt", Córtex Frontal, 6-2-2010)
*
Não é grande acto de coragem nem de perspicácia ou independência assinalar algo tão óbvio desde Março de 2005! MBR é jornalista, mas nos últimos cinco anos foi administrador da Lusomundo. Nunca o ouvi sobre os caminhos tortuosos que seguiu o "seu" DN.
Também tenho saudades daqueles que eram só jornalistas... Sem medo.

05 fevereiro 2010

[1090] Manel, o serventuário

Muito fácil de resolver: Manuel Salgado não concorria [em 2007] à vereação da Câmara onde tinha vários projectos pendentes de aprovação ou em execução!
O problema é esse mesmo: achamos que é normal, que podemos concorrer a tudo, ocupar vários lugares, defender todos os interesses, que nunca estamos impedidos, que as acumulações são aceitáveis, que ninguém está obrigado a explicar nada…
Tudo bons rapazes, afinal! “E o ruim sou eu!”
(Núncio, comentário a "Enfim, o legado", vida breve, 29-1-2010)

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