Terapia política. Introspecção psicossocial. Análise simbólica.
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09 maio 2010

[1162] As palavras dos outros (80): o insulto da inutilidade

«É do conhecimento público que o senhor Miguel de Sousa Tavares considerou "os professores os inúteis mais bem pagos deste país". Espantar-me-ia uma afirmação tão generalista e imoral, não conhecesse já outras afirmações que não diferem muito desta, quer na forma, quer na índole. Não lhe parece que há inúteis, que fazem coisas inúteis e escrevem coisas inúteis, que são pagos a peso de ouro? Não lhe parece que deveria ter dirigido as suas aberrações a gente que, neste deprimente país, tem mais do que uma sinecura e assim enche os bolsos? Não será esse o seu caso? O que escreveu é um atentado à cultura portuguesa, à educação e aos seus intervenientes, alunos e professores. Alunos e professores de ontem e de hoje, porque eu já fui aluna, logo de 'inúteis', como o senhor também terá sido. Ou pensa hoje de forma diferente para estar de acordo com o sistema?
O senhor tem filhos? - a minha ignorância a este respeito deve-se ao facto de não ser muito dada a ler revistas cor-de-rosa. Se os tem, e se estudam, teve, por acaso, a frontalidade de encarar os seus professores e dizer-lhes que "são os inúteis mais bem pagos do país"? Não me parece... Estudam os seus filhos em escolas públicas ou privadas? É que a coisa muda de figura! Há escolas privadas onde se pagam substancialmente as notas dos alunos que os professores 'inúteis' são obrigados a atribuir. A alarvidade que escreveu, além de ser insultuosa, revela muita ignorância em relação à educação e ao ensino. E, quem é ignorante, não deve julgar sem conhecimento de causa. Sei que é escritor, porém nunca li qualquer livro seu, por isso não emito julgamentos sobre aquilo que desconheço. Entende ou quer que a professora explique de novo?
Sou professora de Português com imenso prazer. Oxalá nunca nenhuma das suas obras venha a integrar os programas da disciplina, pois acredito que nenhum dos 'inúteis' a que se referiu a leccionasse com prazer. Com prazer e paixão tenho leccionado, ao longo dos meus vinte e sete anos de serviço, a obra de sua mãe, Sophia de Mello Breyner Andersen, que reverencio. O senhor é a prova inequívoca que nem sempre uma sã e bela árvore dá são e belo fruto. Tenho dificuldade em interiorizar que tenha sido ela quem o ensinou a escrever. A sua ilustre mãe era uma humanista convicta. Que pena não ter interiorizado essa lição! A lição do humanismo que não julga sem provas! Já visitou, por acaso, alguma escola pública? Já se deu ao trabalho de ler, com atenção, o documento sobre a avaliação dos professores? Não, claro que não. É mais cómodo fazer afirmações bombásticas, que agitem, no mau sentido, a opinião pública, para assim se auto-publicitar.
Sei que, num jornal desportivo, escreve, de vez em quando, umas crónicas e que defende muito bem o seu clube. Alguma vez lhe ocorreu, quando o seu clube perde, com clubes da terceira divisão, escrever que "os jogadores de futebol são os inúteis mais bem pagos do país"? Alguma vez lhe ocorreu escrever que há dirigentes desportivos que 'são os inúteis' mais protegidos do país? Presumo que não, e não tenho qualquer dúvida de que deve entender mais de futebol do que de Educação. Alguma vez lhe ocorreu escrever que os advogados "são os inúteis mais bem pagos do país"? Ou os políticos? Não, acredito que não, embora também não tenha dúvidas de que deve estar mais familiarizado com essas áreas.
Não tenho nada contra os jogadores de futebol, nada contra os dirigentes desportivos, nada contra os advogados. Porque não são eles que me impedem de exercer, com dignidade, a minha profissão. Tenho sim contra os políticos arrogantes, prepotentes, desumanos e inúteis, que querem fazer da educação o caixote do (falso) sucesso para posterior envio para a Europa e para o mundo. Tenho contra pseudo-jornalistas, como o senhor, que são, juntamente com os políticos, "os inúteis mais bem pagos do país", que se arvoram em salvadores da pátria, quando o que lhes interessa é o seu próprio umbigo.
Assim sendo, Sr. Miguel de Sousa Tavares, informe-se, que a informaçãozinha é bem necessária antes de 'escrevinhar' alarvices sobre quem dá a este país, além de grandes lições nas aulas, a alunos que são a razão de ser do professor, lições de democracia ao país. Mas o senhor não entende! Para si, democracia deve ser estar do lado de quem convém. Por isso, não posso deixar de lhe transmitir uma mensagem com que termina um texto da sua sábia mãe: "Perdoai-lhes, Senhor, porque eles sabem o que fazem".»
(Ana Maria Gomes, Escola Secundária de Barcelos: cortesia da leitora "cachopa")

10 outubro 2009

[1034] Early Saturday afternoon: dia de reflexão (com humor)

Professor: Quantos corações temos nós, Afonso?
Afonso: Dois, senhor professor.
Professor: Dois?!
Afonso: Sim, o meu e o seu!
*
Professora: Maria, vem aqui apontar no mapa-mundi onde fica a América do Norte.
Maria: Aqui mesmo, diz, apontando.
Professora: Correcto. Agora turma, quem descobriu a América?
Turma, em coro: A Maria.
*
Professora: Artur, a tua redacção "O Meu Cão" é exactamente igual à do teu irmão. Copiaste a dele?
Artur: Não, professora. O cão é que é o mesmo.
*
Professora: Bruno, que nome se dá a uma pessoa que continua a falar, mesmo quando os outros já não estão interessados?
Bruno: Professora.
*
Um aluno de Direito, durante um exame oral.
Marcelo Rebelo de Sousa: O que é uma fraude?
Responde o aluno: É o que o Professor está a fazer.
MRS, entre o indignado e o divertido: Homessa, explique lá isso!
Diz o aluno: Segundo o Código Penal, comete fraude todo aquele que se aproveita da ignorância do outro para o prejudicar!
(adaptado; cortesia da leitora )

03 abril 2008

[565] As palavras dos outros (15): Direito de resposta de um professor ofendido

Exmo. Senhor Director do Jornal Diário Económico:

Vem esta resposta a propósito do editorial do dia 11 de Março, redigido pelo Senhor Director desse jornal, André Macedo.
Nas últimas semanas têm sido frequentes as palavras ressabiadas escritas por um sem número de escribas que pululam na nossa comunicação social. Que muitos deles fazem o jogo do poder político já todos nós sabemos; se essas opiniões são genuínas, então há muita coisa a dizer sobre o seu carácter moral e sobre o modo como se faz jornalismo em Portugal.
Diz o nosso visado editorialista que ouvidas as declarações que os professores fizeram ao longo do dia não podia senão chegar-se a uma triste conclusão: a pobreza dos argumentos da esmagadora maioria, a incapacidade para apontarem com objectividade e clareza o motivo que os leva a rejeitar o sistema de avaliação (...). E continua mais à frente, pareciam excursões de alunos em plena galhofa inconsequente e pré-escolar.
Antes de mais, como jornalista que é, sabe que quem decide o que aparece nas televisões é a realização do canal televisivo, não é o entrevistado. Posso dar-lhe como exemplo, uma entrevista alongada de um professor, responsável por um dos movimentos, na qual apenas uma frase dita por ele passou no canal de televisão que o entrevistou. Infelizmente, o que interessa à comunicação social não são os argumentos. Mas já que falou de argumentos, aqui vai a lição que, pelos vistos, não aprendeu na escola (talvez daí o ressentimento).
Primeira lição, tome nota: concluir que o sistema de ensino falhou porque os professores são desqualificados e que são desqualificados porque o sistema de ensino fracassou é a chamada falácia da circularidade, tomar por premissa o que quer demonstrar, é um argumento inválido; segunda lição, é a prova por contradição ou redução ao absurdo, concluir que o sistema de ensino não qualifica os seus profissionais qualificados é uma contradição nos termos; além do mais, alguém, supostamente qualificado pelo sistema de ensino desqualificado que o qualificou, transforma a sua qualificada opinião num absurdo; terceira lição, o seu argumentário limita-se a fazer generalizações precipitadas. Se quer fazer generalizações, tenha o devido cuidado de ter em conta a lição magistral de Karl Popper, que nos ensinou há já bastante tempo que devemos procurar sempre o contra-exemplo. Se não teve o cuidado de o procurar eu faço questão de lho fornecer. Se é razões que pretende? Muito bem, dou-lhe já de enxurrada quatro razões: uma de ordem profissional; uma de ordem deontológica, uma de ordem moral e outra de ordem legal:
Primeira razão, como qualquer gestor ou economista sabe, não se pode pedir a nenhum profissional que trabalhe e que produza mais dizendo-lhe que vai ganhar menos. O que o ministério pretende, com a publicação do novo Estatuto da Carreira Docente, é exactamente isso, exigir aos professores que dêem mais às escolas (muito bem!) dizendo-lhes simultaneamente que irão ganhar menos, muito menos, já que a fractura profissional em duas carreiras, para fazer exactamente a mesma coisa - dar aulas, implica que dois terços dos professores, digo dos professores, a despeito do discurso do mérito e da excelência, não terão oportunidade de verem recompensado esse mérito porque, atente bem, terão o acesso bloqueado ao topo da carreira. E não me venham outra vez com esse argumento empoeirado dos militares que não chegam todos a generais. Qualquer semelhança entre a carreira militar e a docente é pura coincidência. Toda a gente percebe que a carreira militar é altamente hierarquizada e por inerência exige responsabilidades e competências díspares. Ora, os professores dão aulas. Todos! Dizer que em outras profissões acontece o mesmo significa, voltando à teoria da argumentação, cometer a falácia naturalista. Do ser não se deduz nunca o dever ser.
Segunda razão, este modelo de avaliação fere profundamente a deontologia profissional. Exigir aos professores que se responsabilizem pelo abandono escolar e pelos resultados dos alunos é inverter a lógica do ensino e aprendizagem. O abandono escolar não depende obviamente da vontade do professor; os resultados dos alunos avaliam os alunos, não o professor. A agravante destes elementos de avaliação é a perversão a que, fatalmente se adivinha, irá conduzir. Pior, é a jogada politicamente indecente de quererem melhorar estatísticas na educação à custa da consciência profissional dos docentes e, mais grave ainda, induzir um falso sucesso educativo quando o fundamental está por fazer.
Terceira razão, se tivesse ouvido as palavras sábias de João Lobo Antunes ou do Cardeal Patriarca de Lisboa - D. José Policarpo, teria entendido aquilo que os governantes actuais nunca foram capazes de entender. O profissional que trabalha, e que trabalha seriamente, que sacrifica muitas vezes a família para garantir um futuro profissional, o mínimo que lhe é devido é respeito. Esta é uma razão ética elementar. Por este motivo, nem vale a pena perguntarem se os professores têm razão? Têm, pelo menos, cem mil razões!
Quarta razão, para além das providências cautelares que estão a ser apreciadas pelos tribunais, há uma questão legal que suscita, no mínimo, perplexidade. Sabendo que os professores vão ser avaliados pelos pares, sabendo que as ditas quotas para "excelente" e "muito bom" são as mesmas para avaliador e avaliado, quem garante a imparcialidade do avaliador? Leia o que diz o Artigo 44.º do Código de Procedimento Administrativo.
Uma última lição que lhe quero deixar, já não é de natureza argumentativa mas ética, ou mais prosaicamente, de honestidade intelectual. Quando o senhor diz que apenas ouviu "vacuidades desconexas", "banalidades e frases ocas", "galhofa inconsequente", "falta de substância de tudo o que disseram", lendo o seu artigo, fico com a nítida impressão de estar perante um fenómeno nítido de projecção. Os seus argumentos são falazes, as afirmações são grosseiras, gratuitas e insultuosas, e
a fortiori esbarram na evidência, também dos números, que qualquer pessoa inteligente, tenha ficado em casa ou não, qualificada ou não qualificada, reconhecerá. Além do mais, devo-lhe dizer que os professores estão fartos dessas opiniões desinformadas, de julgamentos nada edificantes, de proclamados jornalistas incapazes de fazer o trabalho de casa. E tem o senhor a pouca vergonha de falar em inteligência e qualificação?
Em jeito de conclusão digo-lhe aquilo que tinha a obrigação de ter, certamente, já compreendido: o que os professores fizeram não foi uma excursão, foi uma aula prática de democracia. E essa é uma lição para pessoas atentas e inteligentes. A lição, neste caso, é muito simples: há maneiras adequadas e inadequadas de se governar, como há maneiras adequadas e inadequadas de se julgar. E não se governa contra as pessoas, como não se julga sem informação. E caso não tenha gostado da lição ou tenha achado os argumentos insuficientes, faça aquilo que já deveria ter feito e dirija-se à Escola Secundária de Barcelos que terei todo o gosto de lhe providenciar a informação e os argumentos que reclama e não procurou.
(José Rui M. F. Rebelo, professor da Escola Secundária de Barcelos, por email)

25 janeiro 2008

[538] E se os professores fossem políticos?

"Os professores são os profissionais em quem os portugueses mais confiam e também aqueles a quem confiariam mais poder no país, segundo uma sondagem mundial efectuada pela Gallup para o Fórum Económico Mundial (WEF).
Os professores merecem a confiança de 42 por cento dos portugueses, muito acima dos 24 por cento que confiam nos líderes militares e da polícia, dos 20 por cento que dão a sua confiança aos jornalistas e dos 18 por cento que acreditam nos líderes religiosos.
Os políticos são os que menos têm a confiança dos portugueses, com apenas sete por cento a dizerem que confiam nesta classe."
*
Curioso, quase maquiavélico!
42% dos profissionais em quem os portugueses supostamente mais confiam têm sido publica e persistentemente enxovalhados por aqueles que só têm a confiança de 7% do povo...
E estes estudos de opinião, sem prejuízo das margens de erro que sempre têm, são tanto mais importantes quanto traduzem a avaliação geral do grau de confiança numa classe profissional ao serviço da população (professores, médicos, polícias, militares, políticos, etc.) e não a competência (ou assiduidade, ou zelo ou integridade) que é uma avaliação personalizada num profissional em concreto... Embora sem integridade não se mereça fazer parte de nenhuma classe!

28 janeiro 2007

[419] Carta de uma professora ofendida

No número 1784 do Jornal "Expresso", publicado no passado dia 6 de Janeiro, o colunista Miguel Sousa Tavares desferiu um violentíssimo ataque contra os professores (que não queriam fazer horas de substituição), assim como contra os médicos (que passavam atestados falsos) e contra os juízes (que, na relação laboral, pendiam para os mais fracos e até tinham condenado o Ministério da Educação a pagar horas extraordinárias pelas aulas de substituição).
Em qualquer país civilizado, quem é atacado tem o direito de se defender. De modo que a professora Dalila Cabrita Mateus, sentindo-se atingida, enviou ao Director do "Expresso", uma carta aberta ao jornalista Miguel Sousa Tavares. Contudo, como é timbre dum jornal de referência que aprecia o contraditório, de modo a poder esclarecer devidamente os seus leitores, o "Expresso" não publicou a carta enviada.
Aqui vai, pois, a tal carta cberta, que circula na internet.
*
«Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de ler textos escritos pelo jornalista Miguel Sousa Tavares. Anoto que escreve sobre tudo e mais alguma coisa, mesmo quando depois se verifica que conhece mal os problemas que aborda. É o caso, por exemplo, dos temas relacionados com a educação, com as escolas e com os professores. E pensava eu que o código deontológico dos jornalistas obrigava a realizar um trabalho prévio de pesquisa, a ouvir as partes envolvidas, para depois escrever sobre a temática de forma séria e isenta.
O senhor jornalista e a ministra que defende não devem saber o que é ter uma turma de 28 a 30 alunos, estando atenta aos que conversam com os colegas, aos que estão distraídos, ao que se levanta de repente para esmurrar o colega, aos que não passam os apontamentos escritos no quadro, ao que, de repente, resolve sair da sala de aula. Não sabe o trabalho que dá disciplinar uma turma. E o professor tem várias turmas. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra deva saber) o enorme trabalho burocrático que recai sobre os professores, a acrescer à planificação e preparação das aulas. O senhor jornalista não sabe (embora devesse saber) o que é ensinar obedecendo a programas baseados em doutrinas pedagógicas pimba, que têm como denominador comum o ódio visceral à História ou à Literatura, às Ciências ou à Filosofia, que substituíram conteúdos por competências, que transformaram a escola em lugar de recreio, tudo certificado por um Ministério em que impera a ignorância e a incompetência. O senhor jornalista falta à verdade quando alude ao «flagelo do absentismo dos professores, sem paralelo em nenhum outro sector de actividade, público ou privado». Tal falsidade já foi desmentida com números e por mais de uma vez. Além do que, em nenhuma outra profissão, um simples atraso de 10 minutos significa uma falta imediata. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra tenha obrigação de saber) o que é chegar a uma turma que se não conhece, para substituir uma professora que está a ser operada e ouvir os alunos gritarem contra aquela «filha da puta» que, segundo eles, pouco ou nada veio acrescentar ao trabalho pedagógico que vinha a ser desenvolvido. O senhor jornalista não imagina o que é leccionar turmas em que um aluno tem fome, outro é portador de hepatite, um terceiro chega tarde porque a mãe não o acordou (embora receba o rendimento mínimo nacional para pôr o filho a pé e colocá-lo na escola), um quarto é portador de uma arma branca com que está a ameaçar os colegas. Não imagina (ou não quer imaginar) o que é leccionar quando a miséria cresce nas famílias, pois «em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão». O senhor jornalista não tem sequer a sensibilidade para se por no lugar dos professores e professoras insultados e até agredidos, em resultado de um clima de indisciplina que cresceu com as aulas de substituição, nos moldes em que estão a ser concretizadas. O senhor jornalista não percebe a sensação que se tem em perder tempo, fazendo uma coisa que pedagogicamente não serve para nada, a não ser parafazer crescer a indisciplina, para cansar e dificultar cada vez mais o estudo sério do professor. Quando, no caso da signatária, até podia continuar a ocupar esse tempo com a investigação em áreas e temas que interessam ao país. O senhor jornalista recria um novo conceito de justiça. Não castiga o delinquente, mas faz o justo pagar pelo pecador, neste caso o geral dos professores penalizados pela falta dum colega. Aliás, o senhor jornalista insulta os professores, todos os professores, uma casta corporativa com privilégios que ninguém conhece e que não quer trabalhar, fazendo as tais aulas de substituição. O senhor jornalista insulta, ainda, todos os médicos acusando-os de passar atestados, em regra falsos. E tal como o Ministério, num estranho regresso ao passado, o senhor jornalista passa por cima da lei, neste caso o antigo Estatuto da Carreira Docente, que mandava pagar as aulas de substituição.
Aparentemente, o propósito do jornalista Miguel Sousa Tavares não era discutir com seriedade. Era sim (do alto da sua arrogância e prosápia) provocar os professores, os médicos e até os juízes, três castas corporativas. Tudo com o propósito de levar a água ao moinho da política neoliberal do governo, neste caso do Ministério da Educação.»
(Dalila Cabrita Mateus, professora, doutora em História Moderna e Contemporânea)

17 setembro 2006

[352] Memórias de uma professora titular

«O importante é chegar a professora titular.
Foi com este pensamento que tracei a rigor o meu destino, há tantos anos atrás. Filhos, tê-los-ei aos quarenta, antes nem pensar, pois quatro meses de licença de maternidade lançar-me-iam irremediavelmente no nível Regular, impedindo-me a tão desejada progressão na carreira.
E assim foi. Tudo me correu lindamente até ao décimo sétimo ano de leccionação. E ao longo desses anos aprendi a agradar a todos, aos alunos, aos pais e ao executivo da escola. Porque chegar a professora titular implicava uma escolha entre outros muitos candidatos, a quem tudo tinha corrido igualmente bem. Cheguei, inclusivamente, a ter alunos que passavam o fim-de-semana comigo e com a minha família. E eu até lhes passava as t-shirts a ferro e fazia trancinhas no cabelo das meninas. E um dia a televisão bateu-me à porta para fazer uma reportagem, assim inesperadamente. Era eu de avental a servir-lhes a sopinha, a dar-lhes conselhos e a fazer-lhes festinhas na cabeça. E o jornalista até me perguntou se também lhes cantava canções de embalar e eu disse-lhe logo que sim, que até lhes lia os "Versos de fazer ó-ó", do José Jorge Letria, e que, depois de adormecerem, aproveitava para lhes ir lendo o "Memorial do Convento". E expliquei-lhes que a leitura durante o sono era um método totalmente inovador em que tudo se apreende de forma suave e que assim não havia o trauma de o livro ser grande ou de os jovens não perceberem as palavras e terem de ir ao dicionário, que isso dá muito trabalho, coitadinhos!
Tudo me corria às mil maravilhas até ao dia em que uma apendicite aguda me levou à cirurgia. Oh, maldita apendicite! E voltei à escola ainda com os pontos fresquinhos, a pensar que só tinha dado cinco faltas. Mas enganara-me nas contas com a história da anestesia. Afinal eram seis as faltas, seis! E já não teria Bom na avaliação, somente um Regular. E já não passaria a professora titular. Foram mais seis anos de espera. Deixa, aos quarenta e seis ainda vou a tempo de ser mãe. É uma gravidez de risco mas isso que tem, se há já quem tenha os filhos aos cinquenta, aos sessenta e qualquer dia aos cem! Mas aos quarenta e cinco foi a hérnia discal. Oh, maldita hérnia discal!Ainda pensei em ir de cadeira de rodas ou se necessário fosse, de maca, mas o médico chamou-me louca e reteve-me dez longos dias no hospital.
E foi assim que somente aos cinquenta e dois cheguei a professora titular. Era tarde demais para ser mãe. Mas, meu Deus! Eu era professora titular! Fiquei tão radiante que até me lembrei de bordar em todos os lençóis de renda, em arabescos graciosos, "professora titular", "professora titular" em toalhas e em quadros de ponto cruz, "professora titular", " professora titular". E depois mandei gravar em todas as minhas canetas e no estojo dos lápis, "professora titular", "professora titular" e na porta do meu carro e no guarda-chuva e no guarda-sol porque, faça sol ou faça chuva, eu sou professora titular!
Agora que sou professora titular tenho, além das aulas, muitos e variados cargos que me dão tanto que fazer. Mas ainda vou arranjando um tempinho para ir aconselhando os novos e vou-lhes ensinando como se chega a titular e como é importante ir ao médico todas as semanas e levar todas as vacinas possíveis e imagináveis e como é totalmente recomendável andar com um triplo airbag no carro. E digo-lhes e repito-lhes: "professor prevenido vale por dois".
Mas, apesar de todos os meus conselhos e avisos, ainda há os que, desprezando-os, se vêem de repente em maus lençóis. Foi o caso de um brilhante ex-aluno meu, brilhante universitário, brilhante estagiário, brilhante professor que tendo passado com distinção o Exame de Estado e tendo obtido aprovação na entrevista, não conteve os seus impulsos mais genuínos e românticos durante o ano probatório, fruto da sua juventude e inexperiência, e não se cansou de defender o indefensável, a exigência, o rigor, a disciplina, criticando com excessivo entusiasmo o facilitismo reinante e não se cansou de duvidar e de contestar. E eu que lhe dizia: "Meu filho, tem tento na língua, como queres tu chegar a professor titular? Vá, aprende comigo e diz Ámen! Ámen!" Mas ele que não me ouviu. E deu-se o caso, vá lá saber-se porquê, de o jovem brilhante professor obter, no final do ano probatório, a infeliz classificação de 6,8 quando precisava apenas de 6,9 para integrar o quadro. E foi assim exonerado da profissão. E teve de arranjar logo umas tabuínhas para se ir juntar aos outros muitos professores, desempregados e exonerados, lá debaixo da ponte Vasco da Gama, porque ele me dizia que preferia a terra firme, senão tinha arranjado um botezinho como os outros fazem. E certa manhã ajudei-o a levar as tabuínhas e a construir a cabaninha debaixo da ponte. Era um dia brilhante, de cores perfeitas, em que o sol resplandecia sobre o rio azul e o sapal era verde marinho e gracioso, salpicado de aves pernaltas. Mas lá estavam as centenas de cabaninhas e os milhares de botes pacientemente amontoados. E ali tudo era cinzento e triste.
E foi nesse momento que caí em mim e vi a injustiça daquilo tudo. A minha luta para chegar a professora titular parecia-me agora absolutamente vazia e sem sentido. Eu deveria ter lutado sim, mas contra o "novo" estatuto da carreira docente de 2006! Por isso, como era urgente recuperar o atraso de trinta anos, transformei-me em gigante Adamastor e peguei nos milhares de professores e respectivas famílias que viviam nos botezinhos e nas cabaninhas e levei-os para o Ministério da Educação. Todo o edifício estremeceu à nossa chegada porque nós trazíamos uma tempestade de mil dias. Mas o "novo" estatuto depressa sucumbiu, de medo e de vergonha, porque muitas tinham sido as injustiças que criara. Adeus "novo" estatuto! Vai e não voltes nunca mais porque nós queremos mudança, mas não queremos injustiça!»
(Cristina Neves, professora de História, Faro: recebido por correio electrónico)

21 junho 2006

[320] Os blogues dos outros: estudos deste sítio

Para alguns, Portugal é mesmo só Lisboa. Desconhecia, até ler este texto, que o dia 13 de Junho era feriado nacional... Ou será que só há professores em Lisboa?
Por outro lado, presumir que os professores portugueses só aderirão a uma greve porque foi marcada para a véspera de um feriado (esse, sim, nacional) é, realmente, elogioso para todos aqueles que, todos os dias, cuidam da formação dos nossos filhos...
(Não, não sou professor!)
(comentário deixado pelo "blogger" Núncio aqui)

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