Terapia política. Introspecção psicossocial. Análise simbólica.

30 setembro 2006

[358] Cidadania é isto!

Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses,

Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro, eleitor n.º 6 da freguesia de Soalhães, vem expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:

1. Na reunião da Assembleia Municipal do passado dia 29, ouvi V. afirmar que, a partir desta semana, iria passar a dispor de um Audi A6.

2. E percebi, das suas palavras, que não se tratava de um acto de vaidade pessoal, mas uma forma de melhorar a imagem do município, pois que a viatura estaria ao serviço do município e não do seu presidente.

3. Reflectindo sobre o assunto, lembrei-me de que o Audi do município poderá
resolver-me um problema logístico que tenho em mãos.

4. No próximo dia 13, é o casamento da minha prima Ester (jovem médica) com o David (jovem médico).

5. Pediu-me a minha prima que a transportasse à Igreja, ao que eu anuí.

6. Lembrei-me, depois, que o meu carro só tem duas portas o que, convenhamos, não é muito operacional para o efeito, sobretudo para entradas e saídas, já que o vestido poderá ficar agarrado e eventualmente rasgar-se.

7. Foi desta forma que me lembrei que, sendo eu munícipe do Marco, e estando o Audi ao serviço do município, seria um acto da maior justiça que eu pudesse transportar a minha prima ao casamento no A6.

8. Ainda pensei que talvez pudesse requerer a utilização do jeep Toyota, mas temo que os convidados possam gozar a noiva por se deslocar em em tal veículo.

9. Opto, pois, pelo Audi, com a promessa de que o entregarei lavado e com o combustível reposto.

10. Dispenso o motorista.

Face ao exposto, requeiro a V. Ex.ª se digne emprestar o A6 para utilização deste modesto munícipe no próximo dia 13, durante todo o dia.

Pede deferimento,

Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro
(recebido por correio electrónico)

24 setembro 2006

[357] Os sinais presidenciais

El País: Su regreso a la política pareció el de un salvador de la patria. ¿Añoraba el poder?
Cavaco Silva: No creo en salvadores. Las circunstancias mandan. Hoy estoy aquí sentado gracias a que antes estuve ahí [hace un vago gesto señalando su escritorio] como primer ministro, relacionándome con un presidente de la República que no era de mi partido [Soares]. Creo que eso fue enriquecedor para mí. Tenía una vida estupenda, nunca me hubiera presentado si no hubiera estado absolutamente convencido de que podía contribuir a situar a Portugal otra vez en la senda del crecimiento. Y sin querer volver a gobernar, ni a legislar, porque el presidente no gobierna ni legisla. Aunque, eso sí, tiene la fuerza que da haber sido elegido directamente por el pueblo.
(Aníbal Cavaco Silva, El País, 24-9-2006: sublinhado nosso)

23 setembro 2006

[356] Pintura do mundo: fully regret




Fully Regret I, II, e III (1990),
Roberto González-Fernández (n. Lugo - Espanha, 1948):

[355] Nostra culpa

João,
para qualquer Estado de Direito, ter tido Souto Moura como PGR teria sido um privilégio e uma garantia de isenção e seriedade. Em Portugal, foi um incómodo porque a malta gosta é dos majores, das fátimas pérons, do marocas e dos white-castles!
Francamente, nem sei como o PGR aguentou estoica e solitariamente o peso de tal missão até ao fim...
Entristece-me ver que, afinal, Portugal não tem elites porque, se as tivesse, não teriam permitido que o regime destruísse o PGR e, com ele, a possibilidade de regeneração da III República.
Assim, que venha o próximo, garante de que tudo voltará à mediocridade, perdão, normalidade...
(Núncio, comentário deixado aqui)

[354] As Cruzadas dos nossos tempos...

(Pacheco Pereira, O Abrupto, 22-9-2006)

17 setembro 2006

[353] Tudo bons rapazes...

Na sequência das transcrições de escutas telefónicas aos arguidos do processo judicial conhecido por "Apito Dourado" que alguma imprensa (DN, CM e Público) tem vindo, selectiva e estrategicamente, a divulgar, foi publicada uma, na sexta-feira 8/9/2006, que envolvia indirectamente João Ferreira, árbitro de futebol.
No dia seguinte, esse árbitro apitou o Boavista-Benfica e, ontem, o Sporting-Paços de Ferreira.
Estranhamente, foi indicado para apitar dois "Grandes" em jogos consecutivos, o que é raríssimo - e pode ser facilmente demonstrado.
Os dois jogos foram assinalados por ocorrências infelizes e anómalas (expulsões, golos irregulares, etc.)
Curiosamente, ambos os clubes lisboetas perderam...

[352] Memórias de uma professora titular

«O importante é chegar a professora titular.
Foi com este pensamento que tracei a rigor o meu destino, há tantos anos atrás. Filhos, tê-los-ei aos quarenta, antes nem pensar, pois quatro meses de licença de maternidade lançar-me-iam irremediavelmente no nível Regular, impedindo-me a tão desejada progressão na carreira.
E assim foi. Tudo me correu lindamente até ao décimo sétimo ano de leccionação. E ao longo desses anos aprendi a agradar a todos, aos alunos, aos pais e ao executivo da escola. Porque chegar a professora titular implicava uma escolha entre outros muitos candidatos, a quem tudo tinha corrido igualmente bem. Cheguei, inclusivamente, a ter alunos que passavam o fim-de-semana comigo e com a minha família. E eu até lhes passava as t-shirts a ferro e fazia trancinhas no cabelo das meninas. E um dia a televisão bateu-me à porta para fazer uma reportagem, assim inesperadamente. Era eu de avental a servir-lhes a sopinha, a dar-lhes conselhos e a fazer-lhes festinhas na cabeça. E o jornalista até me perguntou se também lhes cantava canções de embalar e eu disse-lhe logo que sim, que até lhes lia os "Versos de fazer ó-ó", do José Jorge Letria, e que, depois de adormecerem, aproveitava para lhes ir lendo o "Memorial do Convento". E expliquei-lhes que a leitura durante o sono era um método totalmente inovador em que tudo se apreende de forma suave e que assim não havia o trauma de o livro ser grande ou de os jovens não perceberem as palavras e terem de ir ao dicionário, que isso dá muito trabalho, coitadinhos!
Tudo me corria às mil maravilhas até ao dia em que uma apendicite aguda me levou à cirurgia. Oh, maldita apendicite! E voltei à escola ainda com os pontos fresquinhos, a pensar que só tinha dado cinco faltas. Mas enganara-me nas contas com a história da anestesia. Afinal eram seis as faltas, seis! E já não teria Bom na avaliação, somente um Regular. E já não passaria a professora titular. Foram mais seis anos de espera. Deixa, aos quarenta e seis ainda vou a tempo de ser mãe. É uma gravidez de risco mas isso que tem, se há já quem tenha os filhos aos cinquenta, aos sessenta e qualquer dia aos cem! Mas aos quarenta e cinco foi a hérnia discal. Oh, maldita hérnia discal!Ainda pensei em ir de cadeira de rodas ou se necessário fosse, de maca, mas o médico chamou-me louca e reteve-me dez longos dias no hospital.
E foi assim que somente aos cinquenta e dois cheguei a professora titular. Era tarde demais para ser mãe. Mas, meu Deus! Eu era professora titular! Fiquei tão radiante que até me lembrei de bordar em todos os lençóis de renda, em arabescos graciosos, "professora titular", "professora titular" em toalhas e em quadros de ponto cruz, "professora titular", " professora titular". E depois mandei gravar em todas as minhas canetas e no estojo dos lápis, "professora titular", "professora titular" e na porta do meu carro e no guarda-chuva e no guarda-sol porque, faça sol ou faça chuva, eu sou professora titular!
Agora que sou professora titular tenho, além das aulas, muitos e variados cargos que me dão tanto que fazer. Mas ainda vou arranjando um tempinho para ir aconselhando os novos e vou-lhes ensinando como se chega a titular e como é importante ir ao médico todas as semanas e levar todas as vacinas possíveis e imagináveis e como é totalmente recomendável andar com um triplo airbag no carro. E digo-lhes e repito-lhes: "professor prevenido vale por dois".
Mas, apesar de todos os meus conselhos e avisos, ainda há os que, desprezando-os, se vêem de repente em maus lençóis. Foi o caso de um brilhante ex-aluno meu, brilhante universitário, brilhante estagiário, brilhante professor que tendo passado com distinção o Exame de Estado e tendo obtido aprovação na entrevista, não conteve os seus impulsos mais genuínos e românticos durante o ano probatório, fruto da sua juventude e inexperiência, e não se cansou de defender o indefensável, a exigência, o rigor, a disciplina, criticando com excessivo entusiasmo o facilitismo reinante e não se cansou de duvidar e de contestar. E eu que lhe dizia: "Meu filho, tem tento na língua, como queres tu chegar a professor titular? Vá, aprende comigo e diz Ámen! Ámen!" Mas ele que não me ouviu. E deu-se o caso, vá lá saber-se porquê, de o jovem brilhante professor obter, no final do ano probatório, a infeliz classificação de 6,8 quando precisava apenas de 6,9 para integrar o quadro. E foi assim exonerado da profissão. E teve de arranjar logo umas tabuínhas para se ir juntar aos outros muitos professores, desempregados e exonerados, lá debaixo da ponte Vasco da Gama, porque ele me dizia que preferia a terra firme, senão tinha arranjado um botezinho como os outros fazem. E certa manhã ajudei-o a levar as tabuínhas e a construir a cabaninha debaixo da ponte. Era um dia brilhante, de cores perfeitas, em que o sol resplandecia sobre o rio azul e o sapal era verde marinho e gracioso, salpicado de aves pernaltas. Mas lá estavam as centenas de cabaninhas e os milhares de botes pacientemente amontoados. E ali tudo era cinzento e triste.
E foi nesse momento que caí em mim e vi a injustiça daquilo tudo. A minha luta para chegar a professora titular parecia-me agora absolutamente vazia e sem sentido. Eu deveria ter lutado sim, mas contra o "novo" estatuto da carreira docente de 2006! Por isso, como era urgente recuperar o atraso de trinta anos, transformei-me em gigante Adamastor e peguei nos milhares de professores e respectivas famílias que viviam nos botezinhos e nas cabaninhas e levei-os para o Ministério da Educação. Todo o edifício estremeceu à nossa chegada porque nós trazíamos uma tempestade de mil dias. Mas o "novo" estatuto depressa sucumbiu, de medo e de vergonha, porque muitas tinham sido as injustiças que criara. Adeus "novo" estatuto! Vai e não voltes nunca mais porque nós queremos mudança, mas não queremos injustiça!»
(Cristina Neves, professora de História, Faro: recebido por correio electrónico)

[351] Ironia dominical: a vida como ela é...

«À noite, a minha mulher e eu, sentados na sala, falávamos das coisas da vida. Abordávamos a temática de viver ou morrer "com dignidade". Na oportunidade, ocorreu-me dizer-lhe "nunca me deixes viver em estado vegetativo, dependendo de uma máquina e de uma garrafa de líquidos. Se me vires nesse estado, desliga as máquinas que me mantêm vivo"...
Ela levantou-se, desligou-me a televisão e despejou a cerveja fora.»
(recebido por correio electrónico, cortesia da leitora Cachopa)

14 setembro 2006

[350] Estadismo ou tacticismo?

«Nada disto teria acontecido se Sócrates tivesse uma visão estratégica das reformas que pretende fazer (ou de que só assumiu a necessidade depois de ter tomado posse como chefe do Governo) e não uma visão meramente táctica e instrumental da acção política que oscila em função das circunstâncias - e da qual já fez refém o seu próprio partido.
(...) era preciso que Sócrates tivesse a força de convicção e um genuíno sentido da necessidade de pactuar essas reformas para além de um horizonte de poder a curto/médio prazo, por considerá-las fundamentais para superar os bloqueios do País. Isso exigia, sobretudo, uma espessura de estadista com visão do futuro e não apenas empenhado em preservar, tão duradouramente quanto possível, a sua sobrevivência política.»
(Vicente Jorge Silva, DN, Opinião, 13-9-2006)

09 setembro 2006

[349] Pactos e factos

"Os diagnósticos estão feitos. O que os Portugueses esperam dos seus representantes, cada um com a sua própria responsabilidade, é acção, mais acção. (...)
Há seguramente domínios onde podem e devem ser procurados entendimentos alargados entre Governo e oposição e mesmo com organizações da nossa sociedade civil. É por tudo isto que me atrevo a deixar perante esta Câmara e perante os portugueses cinco grandes desafios (...).
(...)
O terceiro desafio é o da criação de condições para o reforço da credibilidade e eficiência do sistema de justiça.
(...)
A justiça constitui um valor superior da ordem jurídica, um fim irrenunciável do Estado e a primeira e última garantia dos direitos e liberdades das pessoas. Constitui responsabilidade inadiável das forças políticas, ouvindo os operadores judiciários, gerar os consensos indispensáveis para se poder assegurar o funcionamento de um sistema de justiça eficaz, caracterizado pela qualidade, pela certeza e pela responsabilidade das suas decisões.
É uma responsabilidade de todos contribuir activamente para que, em Portugal, tenhamos uma justiça que inspire a confiança dos cidadãos quanto à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, que reprima as violações da legalidade e não seja obstáculo ao desenvolvimento equitativo do País.
O Presidente da República dará sempre o seu apoio às mudanças que se mostrem necessárias ao fortalecimento da legitimação democrática das instituições judiciárias, à garantia da sua independência, ao prestígio dos seus titulares e à eficácia da imprescindível função que a Constituição lhes atribui.
O quarto desafio diz respeito à sustentabilidade do sistema de segurança social. (...)"
*
O Presidente da República a cumprir, discreta e superiormente, a sua missão. Se dúvidas houvesse sobre a sua forte autoridade e "statesmanship"...
Segue-se a segurança social? Leia-se, a propósito, Paulo Gorjão.

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