«No Estado do Vaticano vigora a lei de que nenhum criminoso pode ser executado sem antes receber a absolvição. Assim que Piachi soube da sua sentença, recusou obstinadamente a absolvição. Depois de terem recorrido a todos os meios de que a religião dispõe para mostrar a Piachi a ignomínia do acto que praticara, levaram-no para a forca na esperança de que, quando colocado diante da morte que o aguardava, o condenado finalmente se arrependesse. Um padre descreve-lhe com os pulmões da última trombeta todos os horrores do inferno onde a sua alma pecadora se preparava para mergulhar; um outro, com o corpo de Deus, o sagrado sacramento, na mão, glorificou a morada da paz eterna. "Queres tu fruir do benefício da redenção?", perguntaram-lhe ambos. "Queres receber a comunhão?" "Não", respondeu Piachi. "Porque não?" "Não quero ser salvo. Quero descer às vísceras mais profundas do Inferno. Quero voltar a encontrar Nicolo, porque ele não estará no Céu, e concluir aí a vingança que aqui apenas pude começar!" E assim subiu a escada e exigiu ao verdugo que fizesse o seu trabalho. A execução teve de ser interrompida e o infeliz, a quem a lei protegia, foi levado de volta para o cárcere. Fizeram-se mais três tentativas como esta nos três dias que se seguiram e todas com igual resultado. Quando ao terceiro dia o obrigaram mais uma vez a descer as escadas do patíbulo, Piachi ergueu as mãos exasperado e amaldiçoou a lei desumana que lhe vedava a passagem para o inferno.»
(Bernd Heinrich Wilhelm von Kleist, "O Órfão", tradução de José Maria Vieira Mendes)
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